Editorial
É ainda possível ouvir o som de algum tipo de calçado no piso mais duro, verdade se dia que algum se torna estridente, por vezes, incomodativo. Um amigo passeava sobre o mosaico do grande corredor, para lá e para cá, diríamos à espera de alguém ou de alguma coisa. Pois não! À pergunta sobre aquele passeamento, respondeu-me: “es que me gusta oírme!”, gosto de me rever no som que estou a produzir, numa tradução mais alargada. Às suas botas, novas, tinha-lhe mandado acrescentar protetores e brochas. A visita ao sapateiro tinha sido inevitável, era o sapateiro que cuidava destes acrescentos ao calçado, para caminhar, mas, já agora, para a vaidade! O sapateiro era figura mais que necessária para a durabilidade dos sapatos, botas, sandálias, ou similares, antes que se cantasse o “minhas botas, velhas, cardadas, palmilhando léguas sem fim...” Sapateiro precisa-se! Para prevenir ou para remediar. Para os momentos de trabalho árduo ou para o lazer, divertimento, tão necessário também este na vida cada vez mais desassossegada da nossa sociedade. Não tendo sido nunca fácil, tem-se tornado mais penoso o percurso organizativo dos justos divertimentos sociais. As Associações e Comissões, quase sempre “pro bonum”, voluntariamente, têm encontrado barreiras atrás de barreiras, às vezes um labirinto dispendioso, às custas dos próprios, porque não desistem da causa e da casa comum onde faz falta sempre o espírito de convívio, os risos, os jogos tradicionais, a cavaqueira, o bailarico. Uns sentem as botas já velhas, cansadas; outros, porém, estão a perder o gosto de se ouvirem. Urgente a presença amiga e conselheira do sapateiro. Temos assistido à escalada do sobe e desce, do sobe mais que o desce das contribuições, impostos, licenças “para tudo e mais alguma coisa”. Não estaremos todos empenhados em trabalhos para causas comuns, que a todos dizem respeito e do interesse de cada um? Os que se queixam ficam logo rotulados com barra vermelha. Continua a ser mais vantajoso o silêncio que dá lugar ao compadrio e a todo o tipo de corrupção, gangrena pestilenta de cheiro fétido que não pode ter lugar entre nós! O sapateiro espera-nos!