As duas mulheres acompanharam a evolução dos acontecimentos a partir de casa, na Rua das Enfermeiras da Grande Guerra, em Lisboa. Através da janela, viram passar os chaimites em direcção ao Quartel da Penha de França. Depois de almoçarem, a D. Marquinhas (assim se chamava a senhoria) disse-lhe: “Eu não aguento estar aqui, vamos para a rua”. “E viemos! Acabei por chegar ao Quartel do Carmo um pouco antes da libertação”, recorda Maria Helena. E acrescenta: “Há uma imagem [fotográfica] que tem uma árvore grande com pessoas lá penduradas, eu digo aos meus filhos: Eu estava ali. Não sei qual sou, mas estava ali. Acabei por assistir a tudo”. Não só no “Dia D”, mas nos dias que se seguiram à revolução. “Quando cheguei ao 1º de Maio, já não podia calçar uns sapatos. Fui para a manifestação com uns chinelos de quarto. Eu andei sempre, sempre, sempre, na rua. Eu sei lá… fui para as manifestações, fui no comboio para o Porto, fui no comboio para Sintra, fui à saída dos presos políticos - foi aí que vi o Sérgio Ribeiro [antigo preso político natural de Ourém]. Vivi tudo aquilo intensamente. Não tem explicação. A minha neta mais velha [tem 10 anos] diz: ‘Avó, tu falas do 25 de Abril de tal maneira que nós não estando lá, estamos a viver com a mesma alegria que tu estás a viver”. A propósito do 25 de Abril, também conhecida por Revolução dos Cravos, Maria Helena conta que já foi homenageada várias vezes e, nessas ocasiões, leva sempre um cravo vermelho. “É a minha marca”, afirma. E acrescenta: “Eu sou uma aguerrida, sou muito feliz por ter vivido aqueles dias”. Todos os anos celebra o 25 de Abril e, este ano, em que se assinalam os 50 anos da revolução, não vai ser excepção. Ainda não sabe onde vai passar o dia, mas uma coisa é certa: vai comprar cravos vermelhos, vai vestir a roupa que mais gosta e vai ver o mar, ou então, vai visitar o Quartel do Carmo. E de preferência, na companhia dos netos. E ainda não sabe se vai usar o “casaco da revolução”, como lhe chamam os filhos. Maria Helena guarda “religiosamente” o casaco que comprou na extinta loja “Naia”, na Rua do Carmo, em Lisboa, no dia 24 de Abril. “Foi a última peça que eu comprei no tempo da ditadura. Custou-me 850 escudos”, recorda, referindo que, na altura, era muito dinheiro. Julga que ainda lhe serve, agora que está mais magra. Em 2019/2020, sobreviveu a um cancro, tendo estado 45 dias em estado de coma, na sequência de uma infecção hospitalar. No IPO, em Lisboa, tratam-na carinhosamente por o “Milagre de Fátima”. Apesar da veia revolucionária, é uma mulher de fé e acredita que, além da equipa médica fantástica que a acompanhou, a sua recuperação só foi possível graças à “mão divina” e à sua alegria de viver. Tem na família o seu maior tesouro – tem três filhos e quatro netos, que “são a alegria lá de casa”. Profissionalmente, considera-se uma “pessoa muito realizada”, porque fez tantas coisas, deu aulas de tantas coisas, os seus alunos são os seus médicos, passam por ela e dizem: “Oh professora, dê-me um beijinho…” “Isto é bom! Eu devo ter deixado alguma coisa no coração desta gente. Eu costumo dizer à minha Rita [neta]: O professor, além de transmitir conhecimento, também deve transmitir valores, deve ensinar a viver e a conviver. Foi assim que eu fiz ao longo da vida”. Perante uma vida tão preenchida, da qual se orgulha, só lamenta uma coisa: não ter seguido Medicina. Foi admitida em Coimbra, mas deixou-se levar pela conversa da sua mãe e acabou por desistir. Mas confessa: “Tenho a impressão que daria uma belíssima médica porque eu gosto muito de ajudar o próximo”. É caso para dizer: perdeu-se uma belíssima médica, mas ganhou-se uma belíssima professora!
Notícias de Fátima (NF) - Qual é a sua ideia de felicidade plena?
Maria Helena Fernandes (MHF) – Há momentos de grande felicidade, mas, para mim, não há felicidade plena.
NF - Qual é o seu maior medo?
MHF – Eu tenho dois medos. Primeiro, tenho muito medo da guerra e, depois, tenho medo das cobras [risos].
NF - Qual é a característica que mais detesta em si mesmo?
MHF – Tenho a mania do perfeccionismo. Quando faço uma coisa quero que fique perfeita – à minha maneira, tanto é que há coisas que eu não cedo a ninguém, como fazer pão.
Leia a notícia completa na edição impressa do Noticias de Fátima no dia 12 de abril de 2024.
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