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Helena Barroso

4 de junho, 2021

Ser médica de família

Este artigo é uma partilha pessoal, de uma vida profissional feliz como medica há 26 anos, mas também de alguém que tem visto a medicina de uma forma diferente desde a pandemia.

Tem havido muitas contrariedades, frustrações e, diria mesmo, sofrimento em muitos momentos no decorrer do último ano. Mas ser feliz não é a ausência de problemas, ser feliz é também saber lidar com isso.

Ter a possibilidade de ser médica de pessoas, não médica de doenças, é algo que me preenche. Que bom é acordar e saber que vou para um local onde me sinto na minha segunda casa e na minha segunda família, saber que posso fazer a diferença na vida e na saúde dos meus utentes.

Nestes anos tenho aprendido muito, com os colegas e com os utentes, mas essencialmente tenho aprendido que por muito que faça não se consegue agradar a tudo e todos. Tenho aprendido a lidar com alguma frustração quando acho que é muito difícil ser sempre suficientemente boa filha, boa mãe, boa esposa e suficientemente boa profissional.

Sei que tento fazer o meu melhor e dou muito de mim mas vai fazendo parte do “pacote da vida” o menos bom, o que não se consegue mudar porque não está ao nosso alcance.

Ultimamente temos partilhado (refiro‐me a minha equipa de trabalho: queridos médicos, internos, administrativos, enfermeiros e auxiliares) o quanto nos sentimos cansados, satu‐ rados e mesmo por vezes magoados com esta fase pandémica e nem sempre a compreensão por parte dos utentes para as limitações e dificuldades que temos tido. E, unanimemente, o que mais nos dói é essa falta de carinho, esse compreender que necessitamos e, por vezes, a falta de respeito. Estamos todos num processo de tentar descobrir o que podemos suportar ou mesmo mudar para que esta fase das nossas vidas profissionais se possa manter equilibrada e voltemos a ser felizes.

Há 26 anos, quando me licenciei, mais de que um tutor me disse que o meu “ar doce, meigo e carinhoso para os doentes” se iria perder depois de perceber que esta é a profissão em que mais rapidamente passamos de “bestiais a bestas”. Não acreditei...hoje percebo que é assim mas a minha alma e o amor a esta profissão ainda o nega. Se alguma vez me arrependi da minha escolha profissional? Nunca. Se faria uma escolha diferente quanto ao local onde trabalho? Não. Fátima é um local onde é tranquilo viver, um local com boa gente, gente de luta e trabalho. Só gostaria, só gostaríamos, que agora nestes tempos difíceis entendessem melhor as limitações. E não me refiro à pandemia, refiro‐me às limitações materiais (uma só linha telefónica que serve para atender utentes, fazer convocatórias para vacinas e muitas vezes tempos de conversa que são parte delas sempre queixas por não conseguirem ligar, ligações para desmarcar e remarcar consultas porque temos de nos deslocar para os centros de vacinação, avaria de material e demora no arranjo, falta de outros materiais e nem sempre há verba para o fornecer) e humanas (falta de um médico para os utentes da lista de espera, profissionais cansados e desgastados, no ter de atender utentes, prevenir doenças, tratar doenças, estar atentos à vacinação, a seguir doentes infectados e em isolamento, estar atentos a utentes cujos médicos estão ausentes... muitas vezes só não vão para baixa pela solidariedade para com os colegas). E tantas horas que fazemos para além do horário de trabalho e nem o dizemos...para que tudo funcione!

Como em tudo na vida sabemos que temos de nos colocar no lugar do outro, e acreditem que o fazemos, nos colocamos no lugar do doente e como sentimos as vossas razões, mas na verdade o desgaste do muito trabalho e o não conseguir ter mais e melhor para oferecer tem sido desmotivante.

Ser feliz tem de continuar a ser o mote... da minha vida, de todas as nossas vidas! Que a serenidade do sentir que fazemos todos o nosso melhor seja a directriz no nosso caminho.

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