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José Amaro

22 de janeiro, 2023

Simplesmente senhora Maria

A senhora Maria morreu, dizem‑me. Conheci esta andarilha em terras de Fátima, há já muitos anos. Na primeira vez que nos encontrámos pediu‑me uma moedinha. Olhei para ela e dei‑lhe uma moedinha maior (não metálica) e ela de modo muito educado e num tom suave disse‑me: “veja lá se não lhe vai fazer falta”.

 

Fiquei surpreendido com aquela reação e disse‑lhe que não se preocupasse. Depois desta, muitas outras moedinhas foram pedidas e muitas foram dadas, já que nos encontrávamos com frequência à entrada do santuário de Fátima lugar onde trabalhava e que ela conhecia como ninguém. É facto também que o seu território geográfico era bem mais amplo.

 

Baixinha e esguia, a senhora Maria tinha já uma certa idade, cabelo branco e tez muito morena. Mulher simples, esta caminheira, que usava sapatos de muitas valências e origens, era diligente e apresentava‑se quase diariamente ao “serviço”. Dos guardas recebia tratamento desigual: uns muito rígidos na aplicação da lei, outros mais tolerantes e compreensivos (digamos: estes interpretavam a lei de uma maneira mais suave).

 

Objecto de suspeições, a senhora Maria era acusada (várias pessoas me disseram isto) de ser rica e de “andar a pedir” sem ter necessidade disso, pois segundo essas pessoas até era proprietária de andares e tinha ouro. Interpretando aquilo que era dito e o modo como dava para perceber que carregava uma certa dose de inveja e de antipatia. Pobre, a senhora Maria chegou a dormir, na rua, em noites muito frias de Inverno. Por exemplo junto da entrada do antigo posto de turismo, bem no centro de Fátima. As roupas que lhe davam eram muitas vezes pouco adequadas ao tempo e às medidas dela. Mas, na sua simplicidade e humildade, usava‑as.

 

Várias vezes, qual criança alegre e bem disposta, feliz por uma prenda que recebeu, a senhora Maria me disse “veja o que me deram”, com ar contente como se tivesse recebido um grande prémio. Cativava‑me a sua simplicidade. Ela era uma encarnação dos simples. Sei de quem veja só e sempre o lado menos luminoso seres humanos. Eu prefiro este. Ah! E os sapatos? Esses ultrapassavam muitas vezes as medidas mais adequadas aos seus pequenos pés, um pouco deformados como acontece a quem anda muito a pé, descalço. Eu também andei descalço e sei um pouco do que digo. Ainda em relação aos sapatos: era titânica a luta entre os pés e os ditos.

 

A senhora Maria era uma cigana que andou por Fátima durante várias décadas. E, este texto é a minha homenagem aos simples da terra, através da figura de uma cigana que se tornou um ícone de Fátima e dos simples que por ali mourejam o seu sustento. E já foram muitos os que ali conheci: João do cachorro, sr. João das muletas, sra. Teresa gorda, dona Francisca, Senhora Maria, Mário cigano, Paulo, Mário do norte e tantos outros.

 

Que me desculpe a senhora Maria, afinal era a dona Francisca Fernandes da Silva, nascida em janeiro de 1938, na Figueira da Foz, onde também morreu, vítima de afogamento no rio Mondego. Não foi por mal. Paz! Senhora Maria.

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